O defensor público-geral do Estado de Mato Grosso vem a público prestar esclarecimentos sobre as afirmações divulgadas em nota emitida pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT), no dia 15 de agosto de 2019.
1. O defensor público-geral nunca fez ataques aos advogados ou à advocacia, conforme pode ser constatado na matéria à qual se referiu a nota da OAB-MT, ou em qualquer outro pronunciamento. Ao contrário, tem afirmado sempre que a culpa pela questão da falta de estruturação da Defensoria Pública e do consequente crescimento do gasto estatal com a chamada advocacia dativa não é dos advogados, que apenas exercem o múnus para o qual são nomeados.
2. Por outro lado, em relação ao assunto tratado na aludida entrevista (gasto de dinheiro público com advogados privados), que é o que interessa à sociedade pagadora de impostos como um todo, o defensor público-geral reafirma tudo o que já foi dito em todas as suas manifestações anteriores.
3. Os recursos públicos utilizados tanto para pagamento da remuneração dos defensores públicos quanto para pagamento dos advogados privados (dativos) provêm, sim, da mesma fonte, qual seja, os recursos públicos arrecadados com o pagamento dos impostos por todo cidadão e cidadã. É a chamada Fonte 100 do erário que paga as duas despesas.
4. Embora o Estado esteja em dificuldades para fazer frente a todas as suas despesas, em razão da crise econômica que se alastra há anos e ao descontrole orçamentário que gestores do passado deixaram de herança, o sistema de advocacia dativa tem o potencial de gerar desfalques sensíveis no orçamento público, posto que os valores arbitrados pelos juízes para pagamento aos advogados privados têm acarretado o sequestro dos valores diretamente no caixa do Estado (como afirmado na própria nota da OAB-MT), piorando as dificuldades orçamentárias já existentes.
5. Os valores referidos na nota da OAB-MT como sendo o total de gastos com advogados privados (dativos) entre os anos de 2018 a 2019 (R$ 12 milhões), embora já sejam suficientes para se causar espanto, ainda estão muito longe da realidade. Somente nas 35 comarcas que atualmente não são atendidas pela Defensoria Pública por falta de pessoal suficiente, foram arbitrados valores para serem pagos pelo caixa do Estado de Mato Grosso na ordem de R$ 50 milhões apenas entre julho de 2017 e junho de 2018 (12 meses). Ou seja, esse é o gasto anual que o Estado tem com a advocacia dativa todos os anos, apenas nessas 35 comarcas. Mas também existem outros valores ainda não levantados referentes a arbitramentos de honorários nas grandes comarcas onde a Defensoria atua, porém com número de membros muito inferior ao necessário, como ocorre em Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Sinop, Sorriso, Barra do Garças etc. Se em determinada comarca existem 10 juízes atuando, mas apenas 2 ou 3 defensores públicos, é evidente que haverá juízes que ainda nomearão advogados particulares para fazer o serviço.
6. Apenas para não embasar a informação em falácia ou argumentos ilusórios (como referido na nota da OAB-MT), citam-se aqui somente 8 comarcas que, em apenas 12 meses, geraram somadas mais de R$ 12 milhões de honorários para advogados privados (valor indicado na nota da OAB-MT como se fosse o total acumulado no Estado todo):
Aripuanã: R$ 2,8 milhões
Brasnorte: R$ 1,8 milhão
Dom Aquino: R$ 1,3 milhão
Matupá: R$ 1,3 milhão
Nova Canaã do Norte: R$ 1,7 milhão
Paranaíta: R$ 1,3 milhão
Pedra Preta: R$ 1 milhão
Terra Nova do Norte: R$ 1 milhão
Esses valores, bem como os relativos às outras comarcas que totalizam o montante de aproximadamente R$ 50 milhões por ano, foram colhidos em relatórios apresentados à Defensoria pelos próprios magistrados das respectivas comarcas, sendo, portanto, números incontestáveis. A Defensoria Pública está aguardando as informações sobre os valores de 2019, já solicitadas, e, em breve, os tornará públicos também.
7. Por outro lado, o investimento que seria necessário para levar o atendimento da Defensoria Pública para todas as unidades jurisdicionais que hoje não possuem o atendimento da Instituição e que, por isso, geram esse gasto público milionário, tanto nas comarcas completamente desatendidas quanto nas comarcas desfalcadas, seria muito inferior ao que já se gasta com advogados privados (dativos).
8. Durante todo o ano de 2018 a Defensoria Pública realizou 506 mil atividades (atendimentos, audiências, petições, mediação de conflitos, conciliações judiciais, participação em conselhos etc.). Por sua vez, o orçamento fiscal da Instituição para aquele ano foi de R$ 128 milhões. Ou seja, dividindo-se o orçamento institucional de 2018 pela quantidade de atos processuais praticados pelos defensores públicos chega-se ao custo, por atividade, de apenas R$ 253.
9. E, por outro lado, considerando-se apenas aquelas comarcas acima relatadas, foram identificados nos relatórios emitidos pelos juízes 2.043 atos praticados por advogados privados (dativos), nomeados pelos respectivos magistrados. Então, dividindo-se o valor total que recaiu sobre os cofres públicos somente naquelas 8 localidades (R$ 12,2 milhões) pelo total de atividades por eles praticadas (2.043 atividades), chega-se ao custo de R$ 6 mil por ato praticado.
Em relação a algumas atividades específicas, como a defesa em plenário do júri, essa diferença fica ainda mais gritante, pois enquanto esse trabalho realizado por um defensor público custa para o Estado R$ 253, o advogado privado (dativo) recebe até R$ 20 mil. É quase 100 vezes mais caro o mesmo serviço prestado pela advocacia dativa!
10. Em suma, o que o defensor público-geral explanou em entrevista de maneira objetiva e, até, matemática, foi apenas o fato de que o serviço prestado pela Defensoria Pública é muito mais barato que o prestado por advogados privados, e que com um valor bem menor do que aquele que o Estado já é compelido a pagar anualmente seria possível resolver definitivamente esses dois problemas: levar o atendimento da Defensoria Pública para toda a população que dele necessita e, ao mesmo tempo, gerar uma economia de, pelo menos, R$ 30 milhões por ano, ao Estado de Mato Grosso.
11. Por fim, a nota da OAB-MT afirma que o serviço de advocacia dativa não é exercido objetivando os ganhos financeiros decorrentes do arbitramento de honorários, e que em diversas comarcas os advogados e as advogadas se mobilizam para não mais aceitar as nomeações em função da dificuldade ou demora em receber os respectivos valores.
Sendo assim, é forçoso se concluir que a advocacia dativa não é boa para ninguém: é ruim para o Estado, posto que é muito mais cara que a Defensoria Pública; é ruim para a população, pois é muito melhor ter um defensor que irá cuidar de todos os problemas e acompanhar todos os processos do início ao fim do que alguém que será apenas nomeado para determinado ato (por mais capacitado que seja); e, com base na nota da OAB-MT, também é ruim para os advogados.
Então, se é ruim para todos, não está difícil resolver definitivamente o problema.
Não há como se considerar regular, correto, idôneo, moral ou razoável o Estado estar sendo compelido a pagar dezenas de milhões de reais por ano para particulares, com recursos do erário, sem que esses particulares tenham se submetido a concurso público, a licitação, a testes seletivos ou a qualquer outra forma de legitimação ou de controle. Ainda mais havendo alternativa legal e mais barata para prestar o atendimento devido.
Não bastasse isso, o Supremo Tribunal Federal já deixou claro, por inúmeras vezes (ADIs 4163/SP, 3892/SC, 4270/SC), que a advocacia dativa só é admitida, excepcionalmente, se for realizada de forma subsidiária e complementar, apenas enquanto se estrutura adequadamente a Defensoria Pública, e jamais como alternativa ao modelo de assistência jurídica já determinado pela Constituição Federal de 1988.
Portanto, feitos os esclarecimentos necessários, o defensor público-geral do Estado reitera o seu profundo respeito pela advocacia e pelos advogados e advogadas de Mato Grosso, e reafirma que jamais proferiu qualquer ataque a essa classe, mas tão somente expôs um assunto que é de interesse de toda a sociedade.
Clodoaldo Aparecido Gonçalves de Queiroz
Defensor público-geral do Estado de Mato Grosso